2 de setembro de 2010

Foi no dia 31 de maio...

Foi no dia 30 de maio que me enganaram. Me enganaram por que me disseram que eu só ia passar a noite no CTI e logo iria voltar. Isso por que no mesmo dia, o Dr. Renato havia feito um alarde todo por que fui fazer uma tomografia do pulmão e talvez eu não agüentasse e ele avisou que poderia me entubar. É normal na vida dos médicos, não na minha. E eu não sentia muito, como muitas pessoas poderiam dizer.

Talvez nesse post minhas palavras sejam um pouco de revolta, desabafo, peço já desculpas. Mas é que nesse dia começou a semana, até hoje mais tumultuada de minha vida.

Foi assim. Aquele domingo não começou legal, afinal eu passei praticamente a noite toda acordada. Mas foi até bacana, conversei bastante com três pessoas que fizeram as horas passarem rápido.

Eu sempre achava que aquilo ia passar ligeiro, mas no fundo eu sabia que não estava bem. Eu sabia que não estava legal. Eu havia desmaiado no banheiro um dia anterior. Eu não conseguia respirar direito. Mas algo dentro de mim dizia para eu acreditar que tudo ficaria bem.

Lembro que nesse dia tinha de tudo pra comer no meu quarto. Tinha pão de forma, presunto, mussarela, biscoito de maisena, chocolate, bolacha, bolo e logo a noite o tio Zé iria me levar quibe e ele levou, só eu que não comi. Isso era bastante coisa pra quem estava no hospital. E eu não conseguia comer nada. Absolutamente nada.

Minha barriga era grande demais. Parecia que eu tinha uma lombriga criada hahaha... Era dura e ao mesmo tempo mole. Não da para explicar ao certo, mas para ter noção era como um pedaço dela estivesse congelada e a outra derretida. Muito estranha. Ela doía, eu estava enjoada. Eu queria colocar alguma coisa para fora, mas não tinha muito para colocar.

Lembro que no domingo a tarde comi um pedaço do bolo que levaram como lanche do hospital. Comi um pedaço daquele bolo por que ele tinha cobertura de chocolate e as meninas da copa caprichavam demais nos bolos. Não resisti. Nem que fosse para eu comer um pedaço eu precisava.

Sei que eu queria churrasco. De toda lei eu queria churrasco. Não iria conseguir comer, mas talvez se alguém tivesse levado eu iria ficar feliz só por ver a mandioca e a carne assada, tamanha era minha vontade. Isso por que eu não aguentava mais comer frango todos os dias.

Acordei na segunda não lembro que horas, nem sei bem como acordei. São coisas que parece que nossa mente apaga da memória de propósito por conta de choques. Sei que aquela pessoa não era aquela menina cheia de sonhos, aquela pessoa que acreditava que tudo uma hora iria se resolver, aquela moça que o senhor da ambulância dizia que com aquele sorriso iria melhorar rápido por que nada melhor que sorrir. Ali estava outro personagem da história.

Talvez alguns até entendam como erro de leitura, fora de foco. Coisas assim. Mas de tudo o que eu posso dizer aquela não era a menina que desenhava estrelas na pulseira de identificação e soltava uma alça da blusa do hospital, por que acreditava que assim ficaria mais estilosa. Alguém no meio da noite havia levado ela dali, e o pior que me deixaram com uma pessoa que eu não sabia lidar. E quando a gente não conhece, parece que ficamos de mãos atadas, sem saber como agir, não sabemos de sorrimos, choramos, paramos, corremos, a realidade é que ficamos perdidos.

Sei que sentia dor. Mas eu sentia dor, tanta dor que não sei ao certo aonde doía. Tem horas que chego a pensar que esqueci a dor. A sensação da dor que senti, saiu da minha mente como um passe de mágica. Não recordo como era, mas ela existiu. Eu queria ficar bem e queria minha mãe, era isso que eu pedia.

Não conseguia ficar bem. Cada minutos que passava parecia que aquela dor consumia minha energia e minhas forças, ah minhas forças, isso já não fazia parte de mim. Eu não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que algo estava acontecendo. Eu não sabia o que precisava ser feito, mas sabia que precisava ser feito algo. Era tudo tão confuso.

Não tomei café-da-manhã e isso eu nem percebi. As pessoas me olhavam e parecia que elas iriam me dizer alguma coisa e eu não sabia ao certo o que. Eu não tinha mais acesso, ou seja, veia para colocar soro, medicação. E isso me deixava apavorada por que eu tinha pavor de passarem intracath em mim. Intracath é o acesso central que eles colocam perto do peito ou no pescoço, é mais resistente para fazer medicação, mas dói para colocar.

Na noite anterior duas meninas tentaram de forma insistente achar veia nos meus braços. Mas já iria fazer um mês que eu estava ali, recebendo medicação forte, minhas veias estavam ficando estressadas, elas queriam sossego também. Lembro da Dayane uma tec. de enfermagem dizendo para o médico que ela iria tentar a última vez. Acho que aquilo marcou muito. Foi estranho por que ela estava de um lado e a Rosinha de outro, ambas furando meus braços tentando achar veia que prestasse. E nada.

Na segunda não foi diferente. Outras meninas tentaram. Na hora de tirar sangue foi terrível. Escrevendo agora parece que sinto a dor da agulha perfurando meu punho e enfiando até a artéria para fazer a gasometria. Nossa aquele exame que vê a oxigenação do sangue é terrível. Parece que a agulha atravessa o braço, aquele sim dói.

Mas teve uma hora que não dava mais para tentar. Era judiação demais com aquela menina, ela estava sofrendo. Chamaram o médico e passaram o tão temido intracath nela. Tempo depois passaram sonda também.

Depois de um tempo comecei a acreditar que estava pior do que eu imaginava. E essa sensação se deu quando eu fiz um exame chamado ecocardiograma. E na hora que eu estava fazendo o exame eu vi que a médica assustou, e chamou outra média e comentou. Foi ridículo. Sim, ridículo, por que alguns segundos eu vi minha vida sendo discutida na minha frente.

Nessa altura eu não conseguia ficar sentada e deitada para mim era a morte mais rápida. Não sabia como fazer. Eu queria me agitar, eu até tentava. Mas não conseguia. A sensação de impotência era absurda.

Respirar! Nossa, respirar era a coisa mais patética a se fazer naquele momento. Não conseguia fazer isso. Eu tinha uma máscara no meu rosto que parecia que ia me sufocar, mas ali continha dez litros de oxigênio para ajudar na minha respiração. Eu que ousasse tira-la.

Parece que tudo que eu tinha pavor estava acontecendo. Tudo o que eu não queria estava acontecendo. Tudo o que eu sempre rezei para jamais acontecer, estava ali acontecendo e eu presenciando de perto o espetáculo.

Sei que os médicos conversavam, eles olhavam exames. Eu chamava a Paula, uma técnica de enfermagem que cuidou de forma maravilhosa nesse dia de mim. Eu chamava e ela vinha. Eu às vezes chamava só pra ela ficar ali comigo e ela ficava.

Eu tinha medo. A verdade é que eu tinha pavor. Tinha também uma sensação que não sei explicar. A vontade que eu tinha era de sair correndo e gritar. “Ah seus bobos eu estou bem, era só brincadeirinha”. Como às vezes somos ingênuos. Eu não podia sair correndo sem meu balão de oxigênio, aliás eu nem ao menos podia sair correndo. Eu nem andava nesse dia. Realmente era um pesadelo.

Sei que olhava para o lado e via que tinha gente dormindo. Eu comecei a acreditar que ficar em coma não era tão ruim assim. Seria ruim para as pessoas que estariam conscientes. Mas fui tão egoísta a ponto de pedir para a médica me induzir ao coma. Eu implorei na realidade. Era covardia, o extremo do desespero. Eu não controlava mais meu corpo, parecia uma gelatina, meu coração era demais de acelerado e eu lá parada, fazer um simples movimento de dizer não com a cabeça parecia que eu havia corrido a maratona, eu sentia dor, eu não estava bem.

Eu sei que quando eu vi minha mãe eu não consegui falar e nem chorar. Faltavam forças para isso. Eu apenas peguei na mão dela e com o olhar eu disso tudo que ela precisava. Eu pedia socorro, eu pedia para ela me tirar dali. Eu queria minha mãe comigo. Ela não agüentou. Ela disse que eu precisava ser forte, a única coisa que eu disse foi para ela me perdoar caso eu fraquejasse, por que naquelas condições eu não podia prometer nada para ela.

A médica levou minha mãe. Hoje em dia ela me conta que sentiu uma dor muito grande que ela não consegue descrever. Que ela se sentia incapaz demais, que não conseguia me ver sofrendo daquela forma e não poder fazer nada. A médica havia chamado minha mãe antes da visita para falar comigo, por que eu não estava em condições e eu queria vê-la. Por essa razão ela conta que quando chegou do lado de fora do CTI a única coisa que ela disse foi perguntar a Deus por que Ele havia abandonado ela naquela hora.

Eu não sabia ao certo o que eu tinha. Mas eu sabia que não estava bem, era notável demais isso. Lágrimas escorriam pela minha face. Meu fisioterapeuta tentou fazer inalação comigo e foi terrível. Era terrível tudo aquilo.

Eu pedia remédio e parecia que o remédio nunca chegava. Depois que eu havia feito o eco, raio x, tomografia, decidiram que eu iria fazer outro exame. Fiquei o dia todo sem comer por conta desse exame. Não sabia ao certo que exame era esse, mas se era pra eu melhorar que fizesse logo por que não agüentava mais sofrer.

Mas eu não podia fazer aquele exame. Eu estava fraca demais. Não aguentava chegar nem na ambulância. Os médicos disseram que iriam me colocar em coma induzido para fazer o exame e depois voltar tudo ao normal. Eu falava que era para me dar um sedativo logo por que eu queria dormir e só acordar quando tudo tivesse passado.

A Dra. Josane chegou e disse que ficaria tudo bem. Eu sempre acreditei nela. Por mais que nesse dia ela não falou direito comigo. Ela estava nervosa. Ela conversava com os outros médicos, eu lembro que ela disse para um falar baixo que do box onde eu estava eu escutava tudo.

Chegaram numa conclusão. Eles não tinham um diagnóstico do que eu tinha e eu não conseguia fazer o exame para definir o diagnóstico. Olha que bacana, eu deitada sem saber de nada e minha vida por um fio.

Minha médica chamou meus pais. E falou o que todas as pessoas que tem pessoas em hospital não querem ouvir. Eu estava em estado grave e eles não sabiam ao certo o que fazer, eles havia chegado em um consenso e iriam arriscar uma medicação por que não conseguiria outra coisa, e do jeito que eu estava eu tinha apenas 10% de chance de vida.

Pronto. Minha tia ajoelhou. Minha mãe chorou. Meu pai foi embora. Minha médica entrou para autorizar a medicação. A sorte estava lançada. E eu estava esperando. Eu nada podia fazer. Eu sempre digo que Deus colocou no meu caminho só pessoas com competência e honestidade. Minha médica depois de uns dias disse que ás vezes era melhor usar o bom senso do que estava escrito nos livros. Foi isso o feito.

Disseram que era pra eu ficar calma. Nesse mesmo dia eu desidratei. Tive calafrios terríveis. Mas a tarde eu cochilei. Acordei eu estava respirando melhor. Quando eu acordei ainda não sabia que não iria fazer o exame e aquele exame me dava medo. Me dava medo por que disseram que iriam me dar um remédio para dormir, tinha medo de quando e como voltaria.

A Dra. Rejane veio e disse que não iria fazer o exame. Lembro que estava deitava um pouco sentada, essa era a única posição que eu parava. Nessa hora eu estava sã. De manhã parecia que eu desmaia diversas vezes e voltava. Ela disse que não iria mais fazer o exame por que eu estava melhor. A partir de então coloquei na cabeça que estava melhor e cada minuto ficaria melhor.

Minha mãe entrou para a visita. Eu disse a ela para avisar o pessoal lá fora que eu voltava que podia demorar, mas eu voltava. Eu estava melhor e eu sabia que eu estava melhor. A realidade eu sabia que essa afirmação naquele momento no fundo era ilusão, mas agarrei firme naquilo.

Sei que meu pescoço quase nem mexia, aquele troço no meu peito era estranho. Eu mesma “acabada” disse para minha mãe que havia virado homem por que tinha “torneirinha” da sonda. Que por sinal me incomodava. Não podia perder o bom humor. Eu sentia minha cabeça pegando fogo. Eu não conseguia me mexer. Eu não podia me mexer na realidade. Eu estava presa a uma cama sem saber por quanto tempo e nem ao certo o por que.

Passei a semana tensa. Tomei banhos de leitos que achava humilhante no começo, mas depois percebi que isso só comprova que não somos uma ilha mesmo. Foi a semana que eu perdi meus cabelos. Foi a semana que eu passei no hospital sem minha mãe. Foi a semana que eu mais senti saudades. Foi a semana mais dolorosa. Foi a semana de maior aprendizado. E o mais essencial foi a semana de mais fé. Escutei uma menina lá do hospital dizendo assim: “Aryana em cada cantinho tem alguém orando por você, você é muito especial”. Eu Tive mais forças nessa hora.

Descobri depois que eu tive uma embolia pulmonar. Mais uma complicação do lúpus. Eu tinha um coágulo no coração, meu coração estava grande também. Mas a maior preocupação era o coágulo. Ele não podia se desprender por que caso contrário coria o risco de entupir uma artéria do pulmão e ai adeus Aryana Lobo. Cheguei àquela noite de domingo com o fígado inchado, meu ruim estava funcionando apenas 37%, meu útero estava me dando problema, ou seja, meus órgãos estavam pifando.

Confesso que me revoltei diversas vezes no hospital. Briguei comigo mesmo e me chamei de incompetente por estar presa e não sair correndo. Mas foi naquela semana que eu aprendi a ter paciência, e vi que fé essencial na vida da gente. Acredito que precisamos acreditar, sempre acreditar, seja em qual for a coisa que queremos, precisamos acreditar, se pelo menos gente acreditar, já é um bom começo.

Foi uma semana tumultuada, eu quis ter coisas que não podia. Eu vi coisas ali naquele CTI que queria apagar. Eu escutei coisas estranhas. Eu escrevi coisas demais, eu estava melhorando pedi caderno e caneta e comecei a escrever. Eu cumpri minha promessa eu sai de lá, e não demorei, na sexta-feira eu disse que estava melhor, me levaram para fazer exame o coagulo havia sumido.

Podem chamar do que for. Eu chamo de milagre. Eu cumpri a promessa que eu fiz para minha mãe, eu voltei. Eu vivi. Eu lutei. Eu lembro que fui fraca, ou talvez sincera e disse que não iria dar conta e ela fez eu prometer que iria tentar. Eu tentei. Não sei ao certo a gravidade de tudo, mas passou.

E eu sempre pensava nisso. Era na hora do apuro, ou não eu pensava nisso. Eu olhava para um crucifixo e pedia apenas força e paciência para Deus se fosse para eu sair daquela. E ele me deu, e te falo uma coisa, Ele estava ali o tempo todo segundo minha mão. Por que eu sentia, simples assim!

7 comentários:

Mariana Seraphim disse...
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Mariana Seraphim disse...

Deus é bom!!!
Milagre...muitos milagres Ele ainda fará!!

Te sustentou...te livrou da morte...e continua segurando a tua mão!!

'...Eu o senhor teu Deus, te tomo pela tua mão direita..EU SOU e te digo 'não temas que eu te ajudo'...

A veiz eu te amo..de leve!!

nati kaminice disse...

...arrepiei.. amiga vc sabe o qnto q vc é e foi importante.. vc é sim um milagre, ja te disse e repito! Deus te deu uma nova chance, nunca dispercide... viva intensamente,sempre.. simples assim. foi lindo sua recuperacao... foi otimo te conhecer!!!! te segui por aqui.. fiz um blog .. nao tinha nada pra fazer ai fiz..kkkk. me segue..bjsss amo

Aryana Lobo disse...

Nati vc disse "arrepiei" me deu até vontade de ler o que eu escrevi heuhuehueheue!!! E eu chorei =D Não costumo ficar lendo meus textos depois que eu publico.. E agora me pareceu uma história tão próxima que por um segundo esqueci que era minha! =) Obrigada pela sua dedicação comigo naquele hospital, você foi uma das peças fundamentais para minha recuperação rápida!! Amoo! =D

Isa disse...

Um anjo com asas fortes. É isso q vc é. E é por isso q Deus te abençoa tanto assim.
Queria mt conhecer vc pessoalmente minha amiga. Só pra te dar um abraço forte para q vc sinta o tamanho da admiração e carinho q tenho por vc.
S2

Aryana Lobo disse...

Ahhh Isaaa.. eu amo tanto vc amiga! Vc não sabe o quanto de força que me deu, mesmo de longe!! Obrigada por tudo!

Automotive Car disse...

Poxa o que dizer da Aryana Lobo, se nao guerreira que com apenas um instrumento a Fé lutou contra o que a fringia, seu texto tanto me emocionou como me deu mais força pra lutar pelos meus ideais. Bjus força sempre moça